02 de dezembro... O mês se inicia em um ano que está prestes a acabar... 2015 foi regado de sentimentos de perda para brasileiros de diversas regiões. As notícias de corrupção, as novas pragas e doenças, os desastres ambientais. O desapego pela arte e pela cultura. Mas terminamos o ano com boas novas... O Teatro Municipal de nossa cidade, único prédio para apresentarmos nossa arte está sendo reformado, depois de mais de três anos de espera ansiosa. A Secretaria de Cultura reabre com uma nova roupagem as oficinas de teatro, e agora privilegiando o Teatro de Rua. As inscrições foram feitas pelo site da prefeitura e a procura fez jus ao desejo da população de cursos na área artística e cultural.
Neste segundo dia de aula o grupo de alunos foi naturalmente selecionado, ficando aqueles que se mostraram mais dispostos ao trabalho e as atividades culturais. Tivemos algumas perdas e algumas pessoas que não poderiam apenas neste dia. Começamos com uma revisão rápida da aula anterior, para uma melhor fixação de conteúdos e uma lembrança do que foi pontuado. Depois fomos direto para a Praça da Prainha.
Movimentação de palco: Pensando que estamos na rua, talvez se pense que não temos marcação... O que dependendo do que se pretende, assim como no palco, as marcas tem que estar bem treinadas e ensaiadas. O transitar de um lado a outro, o caminhar pelo ambiente, que na caso da rua é muito mais mutável que o do palco, ou suscetível a mutação. O processo foi complexo. Idades diferentes, desenvoltura motora variada de acordo com a consciência corporal, experiências e práticas de cada um. Distribui a turma em quatro grupos. Treinamos marcha, compasso, interação, marcação, intenção de cena, tudo isso enquanto caminhávamos cantando a marchinha e cirandas de roda.
Mas, para isso acontecer, construímos a marcação usando o sistema Beta de composição musical. O sistema Beta consiste em composição auxiliado por computador, mas seu entendimento é manual... Cada som emitido é acompanhado por uma palma de mãos. Treinamos a coordenação motora, batendo palmas, cantando e marchando... A Marcha fica tão fixa na mente que depois fica até difícil largá-la. O mais divertido nesse aprendizado é que ele se trata de uma compreensão simples, de um sistema binário, onde apenas som e silêncio são essenciais. O compasso é marcado pelo som tônico, que usamos também para marcar a caminhada. Os ritmos apenas nos auxiliaram a criar gestos corporais e velocidades na marcha. Somente após termos o corpo viciado no compasso que passamos a introduzir o texto... No caso, tivemos como auxílio o Soneto da Fidelidade, de Vinícius de Moraes.
Primeiro o texto foi recitado, depois decupado... A fixação do texto feita por repetição... Cada estrofe ou frase sendo repetida por cada aluno até que todos recitaram o texto completo. Depois, cada dupla escolheu uma frase da composição e criou uma forma criativa de recitá-la. Montamos um círculo, com uma marcha constante, marcada por palmas de uma canção simbólica e mental, onde com o tempo se tornou coletiva, mesmo que não se conhecesse um a música do outro. Apenas pelo acompanhamento das palmas todos se tronaram uníssonos.
Soneto Da Fidelidade - Vinicius de Moraes
De tudo, ao meu amor serei atento antes... E com tal zelo, e sempre e tanto... Que mesmo em face do maior encanto, dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento e em seu louvor hei de espalhar meu canto, rir meu riso ou derramar meu pranto... Ao seu pesar ou seu contentamento. E assim, quando mais tarde me procure, quem sabe a morte, angústia de quem vive, quem sabe a solidão, fim de quem ama... Eu possa me dizer do amor, que tive: que não seja imortal posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure!
A partir daí começamos a pensar em como nosso sentimento poderia ser demonstrado, ou externado, como diria Stanislavski, para criar uma verdade teatral. Foi a partir daí que começaram os problemas...
Quando se interpreta um texto, percebemos todos os vícios que nos acostumamos desde crianças, que são ensinadas a ler texto com uma falsa interpretação de que se deve apenas saber o que dizem as palavras, seu significado, independente de seu sentido. Forte isso, mas é o mais próximo da verdade que quero expressar. Quando lemos "casa" em um poema, devemos entender o sentido dessa "casa", não apenas que o autor imprimiu, mas também qual a sensação que ela nos propõe. Essa sensação tal que se transforma em sentimento e que cria uma onda pelo nosso corpo vindo do interior até chegar nas extremidades... Então chega a parte difícil, que é expulsá-la... Demonstrá-la, EXTERNÁ-LA!!!
Descartei as possibilidades de conhecimento holístico e tentei construir um processo de conhecimento de partes, independentes... Foi uma experiência agradável e testarei para garantir um resultado positivo, ou apenas para saber se funciona ou não. Primeiro lemos, depois treinamos sentimentos¹, depois juntamos os dois para ver no que dava...
¹ - quando digo treinar sentimentos, me refiro as técnicas de memória emotiva relativas ao método de interpretação proposto por Stanislavski, que em ocasião futura podemos discutir aqui também...
Uma das questões foi que, o sentimento criado, ou percebido através do resgate da memória escolhida, tornou-se até forte e externável para aquele fato, mas agrupá-lo ao texto do soneto só ficou perceptível naqueles que já possuíam um grau mais avançado de intimidade com as artes dramáticas... ou naqueles que já nasceram com o "dom". Volto, assim, a uma questão discutível. A que todos podem fazer arte. É retórica e não pretendo aqui contestar opiniões, mas elucidar minha ideia de que podemos usar a arte psico diversão, distração ou até tratamento lógico, mas como profissão há de se entender que devemos nos dedicar. Para aqueles que não tem predisposição para tal profissão, que se divirtam, construam novos conhecimentos... Mas para os que nascem com "alma de artista"... Aproveitem para ser exaltados na perfeição dos resultados.
Essa foi apenas uma segunda aula expositiva e prática sobre questões de conhecimentos simples, que qualquer um pode participar... Mas é um grande início para aqueles que querem realmente seguir a profissão. Perceber o quanto são bons, perante muitos que, apesar do conhecimento, das tentativas, nasceram para serem administradores, médicos ou engenheiros. Tenho elogios à todos, pois o empenho era perceptível. As tentativas, mesmo que falhas me levam a pensar no que falta para que a "pessoas comuns" (não atores) entendam a diferença entre interpretar e representar. Tornar o ato real e o teatro vivo. Externar através de ações o que meras palavras não dizem sozinhas... Ou conseguir apenas com palavras mostrar o que depende de ações. Ainda quero descobrir como a mágica funciona, pois alguns conseguem com tanta facilidade e outros simplesmente não conseguem... Se desvincular da força da palavra, daquele conteúdo conquistado no ensino fundamental e médio e as vezes até do acadêmico.
"Quero vivê-lo em cada vão momento" é uma frase que diz muito, falando pouco... E como mostrar tudo que ela diz apenas falando. E como não falseá-la com gestos ou intonações na voz que a deixam poética, mas pouco expressiva. Como externar o sentimento que ela nos proporciona? E na verdade, que sentimento ela nos proporciona? E se ela não traz nenhuma ação dramática, o que fazer com ela? Descartá-la? Mas quando não podemos descartar, o que fazemos para que a frase ou a palavra seja externável? Foi uma tarefa deixada para a próxima aula... Ler o poema como se estivéssemos acabando de escrever. Como se ele fosse nosso pensamento do momento. Devemos construir todo um contexto externo que complete aquele pensamento, do qual nos apropriamos... Criar um personagem que pense sobre aquilo, que esteja vivendo aquilo que estamos falando...
colocar isso em palavras se torna fácil, difícil é aplicar. Criar um diálogo invisível, fala interna para uns, memória emotiva para outros, ou apenas uma repetição de falsificações de sentimentos (falamos de várias formas até encontrarmos uma que se encaixe legal). Proporcionar essa relação de intimidade com o texto, o contexto e a ação praticada pode auxiliar na representação da história. Devemos pensar em porque estamos falando aquilo, para que estamos falando, com quem, em que ocasião, situação, local... Vários são os fatores que devem ser considerados para que a representação torne a circunstância criada se torne real.
Entrando neste assunto, penso na alternativa da tentativa do uso das falsas verdades. Frase bonita para definir a mentira. Tentamos pensar nas vezes que contamos alguma mentira que deveria ser considerada verdade. Nosso cérebro vive nos contando mentiras, quando completa as lacunas da memória de alguns fatos que nos recordamos. Esse movimento de construção de imagens para completar nossa memória pode servir de exemplo prático e praticável para desenvolver técnicas de representação. Outro truque, que pode ser um trampolim para a grande mágica é o da repetição por imitação... Tentar imitar a forma de agir, se movimentar ou falar de outro ajuda a desenvolver um pouco outras técnicas de representação. O lance é não esquecer do sentido do texto proposto e interpretado. Saber o que se quer dizer e para quem se quer falar ainda deve ser um objetivo da representação.
Ficou como dever de casa a escolha de um poema, pelo menos uma estrofe que tenha algum sentido ou que traga alguma recordação para o aluno/ator e como prática criativa cada um deve decorar o próprio bastão que estamos usando como "muleta" (objeto cênico que serve para nos ajudar na ação dramática) nas aulas. Ficou acertado também que todos deveria, trazer maquiagem...