sábado, 12 de dezembro de 2015

OFICINA DE TEATRO DE RUA - SEGUNDA AULA

02 de dezembro... O mês se inicia em um ano que está prestes a acabar... 2015 foi regado de sentimentos de perda para brasileiros de diversas regiões. As notícias de corrupção, as novas pragas e doenças, os desastres ambientais. O desapego pela arte e pela cultura. Mas terminamos o ano com boas novas... O Teatro Municipal de nossa cidade, único prédio para apresentarmos nossa arte está sendo reformado, depois de mais de três anos de espera ansiosa. A Secretaria de Cultura reabre com uma nova roupagem as oficinas de teatro, e agora privilegiando o Teatro de Rua. As inscrições foram feitas pelo site da prefeitura e a procura fez jus ao desejo da população de cursos na área artística e cultural.


Neste segundo dia de aula o grupo de alunos foi naturalmente selecionado, ficando aqueles que se mostraram mais dispostos ao trabalho e as atividades culturais. Tivemos algumas perdas e algumas pessoas que não poderiam apenas neste dia. Começamos com uma revisão rápida da aula anterior, para uma melhor fixação de conteúdos e uma lembrança do que foi pontuado. Depois fomos direto para a Praça da Prainha.
Movimentação de palco: Pensando que estamos na rua, talvez se pense que não temos marcação... O que dependendo do que se pretende, assim como no palco, as marcas tem que estar bem treinadas e ensaiadas. O transitar de um lado a outro, o caminhar pelo ambiente, que na caso da rua é muito mais mutável que o do palco, ou suscetível a mutação. O processo foi complexo. Idades diferentes, desenvoltura motora variada de acordo com a consciência corporal, experiências e práticas de cada um. Distribui a turma em quatro grupos. Treinamos marcha, compasso, interação, marcação, intenção de cena, tudo isso enquanto caminhávamos cantando a marchinha e cirandas de roda.


Mas, para isso acontecer, construímos a marcação usando o sistema Beta de composição musical. O sistema Beta consiste em composição auxiliado por computador, mas seu entendimento é manual... Cada som emitido é acompanhado por uma palma de mãos. Treinamos a coordenação motora, batendo palmas, cantando e marchando... A Marcha fica tão fixa na mente que depois fica até difícil largá-la. O mais divertido nesse aprendizado é que ele se trata de uma compreensão simples, de um sistema binário, onde apenas som e silêncio são essenciais. O compasso é marcado pelo som tônico, que usamos também para marcar a caminhada. Os ritmos apenas nos auxiliaram a criar gestos corporais e velocidades na marcha. Somente após termos o corpo viciado no compasso que passamos a introduzir o texto... No caso, tivemos como auxílio o Soneto da Fidelidade, de Vinícius de Moraes.
Primeiro o texto foi recitado, depois decupado... A fixação do texto feita por repetição... Cada estrofe ou frase sendo repetida por cada aluno até que todos recitaram o texto completo. Depois, cada dupla escolheu uma frase da composição e criou uma forma criativa de recitá-la. Montamos um círculo, com uma marcha constante, marcada por palmas de uma canção simbólica e mental, onde com o tempo se tornou coletiva, mesmo que não se conhecesse um a música do outro. Apenas pelo acompanhamento das palmas todos se tronaram uníssonos.
Soneto Da Fidelidade - Vinicius de Moraes
De tudo, ao meu amor serei atento antes... E com tal zelo, e sempre e tanto... Que mesmo em face do maior encanto, dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento e em seu louvor hei de espalhar meu canto, rir meu riso ou derramar meu pranto... Ao seu pesar ou seu contentamento. E assim, quando mais tarde me procure, quem sabe a morte, angústia de quem vive, quem sabe a solidão, fim de quem ama... Eu possa me dizer do amor, que tive: que não seja imortal posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure!
A partir daí começamos a pensar em como nosso sentimento poderia ser demonstrado, ou externado, como diria Stanislavski, para criar uma verdade teatral. Foi a partir daí que começaram os problemas...
Quando se interpreta um texto, percebemos todos os vícios que nos acostumamos desde crianças, que são ensinadas a ler texto com uma falsa interpretação de que se deve apenas saber o que dizem as palavras, seu significado, independente de seu sentido. Forte isso, mas é o mais próximo da verdade que quero expressar. Quando lemos "casa" em um poema, devemos entender o sentido dessa "casa", não apenas que o autor imprimiu, mas também qual a sensação que ela nos propõe. Essa sensação tal que se transforma em sentimento e que cria uma onda pelo nosso corpo vindo do interior até chegar nas extremidades... Então chega a parte difícil, que é expulsá-la... Demonstrá-la, EXTERNÁ-LA!!!
Descartei as possibilidades de conhecimento holístico e tentei construir um processo de conhecimento de partes, independentes... Foi uma experiência agradável e testarei para garantir um resultado positivo, ou apenas para saber se funciona ou não. Primeiro lemos, depois treinamos sentimentos¹, depois juntamos os dois para ver no que dava...
¹ - quando digo treinar sentimentos, me refiro as técnicas de memória emotiva relativas ao método de interpretação proposto por Stanislavski, que em ocasião futura podemos discutir aqui também...
Uma das questões foi que, o sentimento criado, ou percebido através do resgate da memória escolhida, tornou-se até forte e externável para aquele fato, mas agrupá-lo ao texto do soneto só ficou perceptível naqueles que já possuíam um grau mais avançado de intimidade com as artes dramáticas... ou naqueles que já nasceram com o "dom". Volto, assim, a uma questão discutível. A que todos podem fazer arte. É retórica e não pretendo aqui contestar opiniões, mas elucidar minha ideia de que podemos usar a arte psico diversão, distração ou até tratamento lógico, mas como profissão há de se entender que devemos nos dedicar. Para aqueles que não tem predisposição para tal profissão, que se divirtam, construam novos conhecimentos... Mas para os que nascem com "alma de artista"... Aproveitem para ser exaltados na perfeição dos resultados.
Essa foi apenas uma segunda aula expositiva e prática sobre questões de conhecimentos simples, que qualquer um pode participar... Mas é um grande início para aqueles que querem realmente seguir a profissão. Perceber o quanto são bons, perante muitos que, apesar do conhecimento, das tentativas, nasceram para serem administradores, médicos ou engenheiros. Tenho elogios à todos, pois o empenho era perceptível. As tentativas, mesmo que falhas me levam a pensar no que falta para que a "pessoas comuns" (não atores) entendam a diferença entre interpretar e representar. Tornar o ato real e o teatro vivo. Externar através de ações o que meras palavras não dizem sozinhas... Ou conseguir apenas com palavras mostrar o que depende de ações. Ainda quero descobrir como a mágica funciona, pois alguns conseguem com tanta facilidade e outros simplesmente não conseguem... Se desvincular da força da palavra, daquele conteúdo conquistado no ensino fundamental e médio e as vezes até do acadêmico.
"Quero vivê-lo em cada vão momento" é uma frase que diz muito, falando pouco... E como mostrar tudo que ela diz apenas falando. E como não falseá-la com gestos ou intonações na voz que a deixam poética, mas pouco expressiva. Como externar o sentimento que ela nos proporciona? E na verdade, que sentimento ela nos proporciona? E se ela não traz nenhuma ação dramática, o que fazer com ela? Descartá-la? Mas quando não podemos descartar, o que fazemos para que a frase ou a palavra seja externável? Foi uma tarefa deixada para a próxima aula... Ler o poema como se estivéssemos acabando de escrever. Como se ele fosse nosso pensamento do momento. Devemos construir todo um contexto externo que complete aquele pensamento, do qual nos apropriamos... Criar um personagem que pense sobre aquilo, que esteja vivendo aquilo que estamos falando...
colocar isso em palavras se torna fácil, difícil é aplicar. Criar um diálogo invisível, fala interna para uns, memória emotiva para outros, ou apenas uma repetição de falsificações de sentimentos (falamos de várias formas até encontrarmos uma que se encaixe legal). Proporcionar essa relação de intimidade com o texto, o contexto e a ação praticada pode auxiliar na representação da história. Devemos pensar em porque estamos falando aquilo, para que estamos falando, com quem, em que ocasião, situação, local... Vários são os fatores que devem ser considerados para que a representação torne a circunstância criada se torne real.
Entrando neste assunto, penso na alternativa da tentativa do uso das falsas verdades. Frase bonita para definir a mentira. Tentamos pensar nas vezes que contamos alguma mentira que deveria ser considerada verdade. Nosso cérebro vive nos contando mentiras, quando completa as lacunas da memória de alguns fatos que nos recordamos. Esse movimento de construção de imagens para completar nossa memória pode servir de exemplo prático e praticável para desenvolver técnicas de representação. Outro truque, que pode ser um trampolim para a grande mágica é o da repetição por imitação... Tentar imitar a forma de agir, se movimentar ou falar de outro ajuda a desenvolver um pouco outras técnicas de representação. O lance é não esquecer do sentido do texto proposto e interpretado.  Saber o que se quer dizer e para quem se quer falar ainda deve ser um objetivo da representação.
Ficou como dever de casa a escolha de um poema, pelo menos uma estrofe que tenha algum sentido ou que traga alguma recordação para o aluno/ator e como prática criativa cada um deve decorar o próprio bastão que estamos usando como "muleta" (objeto cênico que serve para nos ajudar na ação dramática) nas aulas. Ficou acertado também que todos deveria, trazer maquiagem...

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Oficina de Teatro de Rua - Primeira Aula

Estudar teatro é uma tarefa árdua, que muitos querem, mas poucos são capazes. Arte e cultura é para todos, assistirem, participarem, vislumbrarem... Mas será que até quem não é artista pode fazer "Arte"? Esse "dom" foi distribuído a todos sem distinção? Quando Paolo Mantegaza diz que "A escola pode aperfeiçoar o artista; criá-lo, nunca...", ele não está apenas falando de produções, mas do próprio produtor, do artista, que já nasce assim. Antes mesmo de se definir um engenheiro, médico, técnico em algo, esse ser já é artista. E posso dizer que aquele que tem a alma para a arte será um grande artista, mas poderá ser o melhor em qualquer outra profissão que escolher a se dedicar.
Sua produção não é apenas a expressão de seu sentimento, é uma ansiosa vontade de criar para o mundo "normal" uma crítica pensante, uma distração pulsante ou apenas uma simples beleza que despertará o sentimento de outros além de si. Andy Warhol disse que "o artista é alguém que produz coisas que as pessoas não tem necessidade, mas ele por alguma razão, pensa que seria uma boa ideia dá-las a elas". Mas acredito que todos tem necessidade de ouvir, ver, sentir a beleza da arte. Em um mundo onde a sobrevivência é a meta do homem, momentos de apreciação artística podem alimentar a alma e aliviar a tensão dos dias. As pessoas tem sim, necessidade de um produto cultural ou artístico. Prova disso foi a grande procura pelas inscrições na oficina de teatro de Rua oferecido pela Secretaria de Cultura de Vila Velha. Um projeto de cursos em artes cênicas que eu criei desde 2004 e que voltou as atividades a partir da iniciativa do Secretário de Cultura Andinho Almeida. Foram quase 70 inscrições em três dias de divulgação apenas no site da prefeitura.
A oficina consiste em quatro aulas de quatro horas cada, onde serão desenvolvidos recursos necessários para criação de uma apresentação em espaço aberto, ou alternativo. Não pretendo aqui profissionalizar atores de teatro de rua, e sim aguçar o sonho e o desejo daqueles que pretendem se envolver com as artes.


A primeira aula foi nada mais que impressionante. Os alunos inscritos estavam com sede de conhecimento. Foram as quatro horas mais rápidas que muitos tiveram. Passou o tempo e o aprendizado foi compensador. Começamos com uma pequena explanação dos conteúdos que seriam desenvolvidos durante as aulas. A história do teatro sempre foi um tema que me envolve. Levantar as questões dos motivos pelos quais os homens começaram a representar é instigador e construir esse pensamento junto a pesquisadores iniciantes nas artes cênicas nos auxilia a construir novas ideias. Descrevi de maneira rápida as diferentes escolas dramáticas que listei desde as competições gregas das tragédias e das comédias, do teatro romano com suas construções suntuosas e seu declínio devido as condições políticas e econômicas desfavoráveis, dando ascensão ao teatro cristão católico que se estendeu até  o renascimento com o aparecimento prévio das trupes mambembes, do teatro elisabetano e da Commédia Dell'Art. Discutimos sobre o carnaval no Brasil que é um grande espetáculo de Rua.
Conversamos sobre o Teatro de cordel apresentados em ruas e praças do nordeste e do teatro de Amir Haddad: https://www.youtube.com/watch?v=BhojcpjIzsw . Toda conversa foi bem rápida, apenas para aguçar ainda mais a vontade de aprender sobre o tema. Não fizemos um estudo detalhado sobre a história do teatro, apenas tentei listar sua importância para a sociedade. E surge uma questão que está presente em minhas aulas e minhas pesquisas. Deve-se promover a cultura a partir dos recursos públicos? Retórica. Não acredito no desenvolvimento de uma sociedade sem conhecimento de sua cultura. Isso é apenas uma questão de educação? De sala de aula? De referências passadas em salas de aula? Desenvolver o ato cultural, o senso artístico crítico e criativo, alimentar a mente e a alma com conhecimento filosófico, cultural, teatral. Não consigo ver um trabalho artístico "desintencional", mesmo que essa intenção seja alegrar aos olhos, distrair, divertir, questionar, educar, construir conhecimentos, informar,... Ufa... Existem mais funções para o teatro que apenas teatro. Então começamos pela diversão. Imagens que agradem aos olhos. Isso se inicia pelo visual da obra, cenários, figurinos, adereços. Os figurinos que estão sendo desenvolvidos são uma releitura das obras criadas por Hélio Oiticica no final dos anos de 1960. Os "parangolés" ganham formato de vestimenta base do figurino dos atores de rua que começam a nascer na vontade de cada aluno do curso. Transformados em peças para o teatro de rua, pensamos em confeccionar camisas e adereços cobertos com tiras de tecidos que criarão movimento a partir dos gestos que os atores farão em suas representações.



Depois de desenvolvermos a ideia dos figurinos, começamos a pensar nas relações que o teatro de rua tem com a música e de como isso pode chamar a atenção para o trabalho. Sentimos uma enorme necessidade de fazer barulho, sons musicais para acompanhar nosso cortejo. Uma das sugestões foi a "Casaca", instrumento que acompanha as bandas de congo capixabas, feitas de madeira e bambu emitem sons variados de acordo com seu tamanho e seu material básico.


Também incluímos os agogôs, afoxés, chocalhos, pandeiros e tambores. Instrumentos de percussão que acompanham bem a ideia principal da música escolhida para nosso novo grupo. Uma marchinha, escrita originalmente por "Marcílio Dias" para o grupo teatral das oficinas e que foi adaptada para essa nova gestão administrativa. A marchinha, que nos transporta para apresentações de blocos de carnaval será intercalada por leituras de poemas e apresentações de esquetes que serão adaptadas para apresentações nas ruas.
O trabalho circense, como acrobacias e malabarismos também acompanha o que pensamos para uma apresentação dinâmica na ruas. Brincamos então com movimentos dos "swing's poi's", que consiste em um pesinho preso à uma corda com fitas amarradas que quando com movimentos certos criam imagens em movimento que chamam a atenção do público pela beleza da mistura de cores e dos desenhos elípticos e circulares que são criados.



Depois de todas essas discussões e debates, fomos para a prática. Saímos de nosso local de conforto e fomos para a Praça da Prainha. Para a grama debaixo da castanheira e começamos a jogar. Primeiro fizemos uma aquecimento corporal, com alongamento e caminhadas, ocupando espaços desenhados para simular presença de público. Os alongamentos foram simples, de pernas, braços, coluna... E os exercícios realizados foram utilizados para, que em grupos, eles criassem uma sequência coreográfica realizável pelo grupo. Para desacelerar fizemos um jogo de iniciativa, desinibição e trabalho em equipe, que consistiu em após formar um círculo, todos andavam de forma desordenada se aproximando do centro do espaço até que todos se misturassem. Deram então novamente as mãos, na mesma ordem que estavam na posição do círculo e sem soltá-las, deveriam desfazer o "nó" criado.


Para finalizar a aula fizemos um trabalho de aquecimento vocal e aprendemos a cantar a marchinha do grupo.
"Eu sou de Vila Velha onde se projeta... A Felicidade! Minha Terra entra em cena e contracena... com a realidade!
Nessa luta sou mocinho, sou vilão e sou palhaço. Sou rei, sou escravo, sou mau e sou bom...
Teatro com cheiro e gosto de bombom!" O ritmo segue o playback  do vídeo postado acima.



AULA DADA NO DIA 25 DE NOVEMBRO DE 2015 NO PARQUE DA PRAINHA - VILA VELHA PELO ATOR, DIRETOR E PROFESSOR DE TEATRO ANDERSON LIMA.

http://www.vilavelha.es.gov.br/noticias/2015/12/oficina-de-teatro-de-rua-reune-criancas-e-jovens-7570