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Teatro e a História do Movimento LGBT
Para que possa entender bem como o movimento cultural
contribuiu de alguma forma na construção do movimento LGBT na capital do
Espírito Santo, entendo como necessário fazer um breve relato sobre a história
do movimento no Brasil. As manifestações desse movimento têm início desde a
década de 1950, porém adquirem força e registros no final da década de 1960.
Arrisco falar que sempre houve manifestações suprimidas pelo preconceito ou
pelo medo de retaliações.
Regina Facchini (2003) trata da história do movimento
separando três fases compreendidas entre meados dos anos 1970 e início dos anos
2000. O que marca a data inicial da pesquisa foi o surgimento do “SOMOS”,
primeiro grupo do movimento registrado. A partir da abertura política que
afrouxa os moldes ditatoriais e se aproxima das tentativas de se instituir uma
política mais democrática, os movimentos enquadrados como “alternativos” ou
“libertários” são enquadrados nas bibliografias de movimentos sociais. Nomeada
como a “primeira onda” do movimento homossexual brasileiro, este momento marca
o início da luta pela igualdade, liberdade de expressão e reconhecimento das
identidades pessoais e de gênero (FACCHINI, 2003).
Essa primeira onda traz propostas antiautoritaristsa e
comunitaristas, focadas no fortalecimento da identidade homossexual que vem
sendo constituída. Vários grupos são formados no período que se inicia em
meados dos anos 1970 e se desenrola até meados dos anos de 1980, principalmente
no eixo Rio-São Paulo, espaço em que se concentrou o maior número de grupos em
toda a história do movimento. Um dos grandes marcos da história foi a edição e
publicação do jornal “Lampião da Esquina”, imprensa específica que além de
divulgar as ações ampliava a visibilidade do movimento. Os encontros
questionavam o termo “gay”, querendo se afastar da norteamericanização que
ainda estava muito forte em toda a nação, e se adota o uso do termo “orientação sexual” em
substituição e levantando o questionamento sobre as questões anteriores que
usavam termos de “opção” ou “essência” (FACCHINI, 2003).
“Outra mudança importante desse período é a
adoção do termo "orientação sexual", de modo a deslocar a polarização
acerca da homossexualidade pensada como uma "opção" ou como uma
"condição" inata. O uso do termo "orientação sexual"
implica afirmar que não se trata de escolha individual racional e voluntária,
mas não se trata também de uma determinação simples. A adoção desse termo foi
fundamental para as lutas empreendidas pelo Grupo Triângulo Rosa10. Esse grupo
do Rio de Janeiro tinha por liderança João Antonio Mascarenhas, já falecido,
que era um advogado e concentrava-se na garantia de questões legais.” (Conselho
Regional de Psicologia de São Paulo acesso em 23 de abr. de 2020).
O período de “redemocratização”, tratado por Facchini
(2003) como a “segunda onda” do movimento homossexual brasileiro foi
considerado por ela como o período de declínio do movimento devido a diversos
fatores. A “peste gay”, termo pejorativo utilizado na época para se referir à
epidemia da AIDS, que em meados dos anos 1980 foi totalmente associada aos
homossexuais, é um dos grandes fatores de diluição dos grupos. Devido aos
fortes ataques sofridos pela comunidade gay relacionados à AIDS, há uma
tentativa de uma desvinculação da imagem homossexual da mesma, desvalorizando
os aspectos marginais do movimento e associando alguns personagens do período a
uma imagem pública positiva. O jornal “Lampião da Esquina” fecha sua edição,
deixando de certa forma, os grupos órfãos de notícias. Há um aumento dos grupos
lésbicos e uma adesão de grupos de travestis. Dá-se um aumento do mercado
específico para gays, o que Facchini (2000) ressalta poder ser uma ilusão de
liberdade, devido a questões individuais estarem se sobressaindo ao coletivo.
Apesar de se aumentar o comércio, há uma diminuição na adesão de grupos podendo
assim enfraquecer a luta política. Vejo como um passo a mais para a divulgação
de identidades, sendo o mercado específico gay, momentos de liberdade e felicidade,
mesmo que individuais.
Os grupos de ativistas nesse período acumulam menos
pessoas e os seus debates giram em torno da despatologização do homossexualismo,
então visto como uma “doença mental”. Surge o termo “GLS”, ampliando as
discussões de gênero e incluindo definitivamente gays e lésbicas ao mesmo
grupo. O grupo de simpatizantes, que agora faz parte da sigla, é para Facchini
(2003) um ganho ao movimento[1].
Baseia-se em agrupar em uma letra todos aqueles que são auxiliadores da causa,
mas não se encaixam nos então ditos termos “gay” e “lésbica”.
Já no início dos anos 1990, há uma adesão da mídia e o
fortalecimento do movimento através do financiamento público por parte dos Ministérios
da Justiça e da Saúde que dão apoio aos encontros nacionais e auxiliam na
dissociação da AIDS aos homossexuais. Inicia-se uma forte adesão de ONGs em políticas
públicas de combate à AIDS e uma busca pela construção de alianças com
parlamentares, organizações internacionais e grupos religiosos flexíveis a
causa.
A partir de 1995, com a realização do 8º Encontro
Brasileiro de Gays e Lésbicas (EBGL), dá-se, segundo Facchini (2003), o início
de uma “terceira onda”. O encontro é realizado com recursos do Ministério da
Saúde e o primeiro encontro de luta contra a AIDS. Aparecem, nesse período, as
primeiras organizações de travestis e os temas mais discutidos nos encontros eram
a religiosidade, a transexualidade, articulações internas no trato da autoestima
e as relações externas com a igreja, a mídia, o movimento internacional e
agências de financiamento.
O 9º EBGL acontece em 1997 e encerra suas atividades com
o que foi considerado a primeira passeata pelas ruas na Cidade de São Paulo. A
defesa de modelos modernos e igualitários e a tentativa de formulação de
legislações específicas aproxima ainda mais o movimento ao Partido dos
Trabalhadores (PT), que já estava presente nos encontros desde 1993. Há um
aumento significativo da participação ativa no campo com o aumento de grupos
organizados pelo Brasil, mantendo sua maioria em São Paulo bem como a adesão de
transexuais em grupos se organizando. Os registros do artigo de Facchini (2000)
se encerram no final do século XX, deixando a novos pesquisadores os relatos do
novo milênio. Mas já se percebe as contribuições do movimento para o processo
de reconhecimento das identidades individuais e coletivas dentro e fora dos
movimentos sociais no Brasil.
Minha pesquisa propõe a entender como essa história se deu
na capital do Espírito Santo e sua ligação mais próxima às apresentações
culturais e grupos de grupos de teatro especificamente nas ações que
aconteceram dentro da Boate Eros. Na literatura disponível, encontro em
“Desaquendando a História Drag: no Mundo, no Brasil e no Espírito Santo” de
Lucas Bragança lançado em 2018, uma grande aproximação à minha pesquisa. Em
resumo ele trata as questões que envolvem o movimento de uma forma relativa ao
tempo. No capítulo “travessos capixabas” o autor caracteriza o primeiro
registro homossexual no Espírito Santo com a presença do “Professor Irênio” (BRAGANÇA, 2018, pág.
87), um “tipo popular de Vitória”[2]
que nos carnavais vestia-se de mulher, usava saltos altos e subia deslumbrante
a escadaria da ladeira da Pedra, localizada onde hoje fica a Praça Costa
Pereira e o Prédio Antenor Guimaraes no Centro de Vitória. Mesmo em seu livro,
lançado em 2018, o autor dá um salto temporal, comentando sobre os carnavais,
onde homens, inspirados no eixo Rio-São Paulo se vestem de mulheres para se
divertir – com muito dança e também com sexo – e indo direto ao início do
funcionamento da Boate Eros, que por muitos anos foi a única boate e um dos
poucos pontos de encontro LGBT no estado (BRAGANÇA. 2018). O desenvolvimento da
fundamentação teórica dessa seção irá se basear em um aprofundamento dos
estudos sobre a história do movimento LGBT e, em especial, da importância da arte
e do teatro LGBT nessa história. Ainda há muito a ser desenvolvida nessa parte.
A pesquisa continua, assim como a procura de material específico que certamente
estará presente nas referências do trabalho final. Tanto o histórico do
movimento no estado quanto as questões cênicas e dramáticas que serão
relacionadas dentro do período destinado a pesquisa.
[1] De acordo com a autora, o temo
tornou-se um “ovo de Colombo conceitual” ao introduzir no contexto brasileiro a
noção norte-americana de gay friendly e permitir que pessoas que não se
identifiquem a partir de identidades como gays e lésbicas, possam transitar por
espaços e consumir produtos voltados ao público homossexual (FACCHINI, 2003,
p.120).
[2] Termo usado por autores e grupos de
teatro para representar personagens que ficaram marcados na história do estado.
O SATED-ES realizava apresentações de performances no Parque Moscoso nos
festejos de aniversário da Cidade com artistas representando ícones da história
capixaba conhecidos pela história oral.
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