quarta-feira, 27 de maio de 2020

O Teatro e a História do Movimento LGBT


O Teatro e a História do Movimento LGBT

Para que possa entender bem como o movimento cultural contribuiu de alguma forma na construção do movimento LGBT na capital do Espírito Santo, entendo como necessário fazer um breve relato sobre a história do movimento no Brasil. As manifestações desse movimento têm início desde a década de 1950, porém adquirem força e registros no final da década de 1960. Arrisco falar que sempre houve manifestações suprimidas pelo preconceito ou pelo medo de retaliações.
Regina Facchini (2003) trata da história do movimento separando três fases compreendidas entre meados dos anos 1970 e início dos anos 2000. O que marca a data inicial da pesquisa foi o surgimento do “SOMOS”, primeiro grupo do movimento registrado. A partir da abertura política que afrouxa os moldes ditatoriais e se aproxima das tentativas de se instituir uma política mais democrática, os movimentos enquadrados como “alternativos” ou “libertários” são enquadrados nas bibliografias de movimentos sociais. Nomeada como a “primeira onda” do movimento homossexual brasileiro, este momento marca o início da luta pela igualdade, liberdade de expressão e reconhecimento das identidades pessoais e de gênero (FACCHINI, 2003).
Essa primeira onda traz propostas antiautoritaristsa e comunitaristas, focadas no fortalecimento da identidade homossexual que vem sendo constituída. Vários grupos são formados no período que se inicia em meados dos anos 1970 e se desenrola até meados dos anos de 1980, principalmente no eixo Rio-São Paulo, espaço em que se concentrou o maior número de grupos em toda a história do movimento. Um dos grandes marcos da história foi a edição e publicação do jornal “Lampião da Esquina”, imprensa específica que além de divulgar as ações ampliava a visibilidade do movimento. Os encontros questionavam o termo “gay”, querendo se afastar da norteamericanização que ainda estava muito forte em toda a nação, e se adota  o uso do termo “orientação sexual” em substituição e levantando o questionamento sobre as questões anteriores que usavam termos de “opção” ou “essência” (FACCHINI, 2003).

“Outra mudança importante desse período é a adoção do termo "orientação sexual", de modo a deslocar a polarização acerca da homossexualidade pensada como uma "opção" ou como uma "condição" inata. O uso do termo "orientação sexual" implica afirmar que não se trata de escolha individual racional e voluntária, mas não se trata também de uma determinação simples. A adoção desse termo foi fundamental para as lutas empreendidas pelo Grupo Triângulo Rosa10. Esse grupo do Rio de Janeiro tinha por liderança João Antonio Mascarenhas, já falecido, que era um advogado e concentrava-se na garantia de questões legais.” (Conselho Regional de Psicologia de São Paulo acesso em 23 de abr. de 2020).

O período de “redemocratização”, tratado por Facchini (2003) como a “segunda onda” do movimento homossexual brasileiro foi considerado por ela como o período de declínio do movimento devido a diversos fatores. A “peste gay”, termo pejorativo utilizado na época para se referir à epidemia da AIDS, que em meados dos anos 1980 foi totalmente associada aos homossexuais, é um dos grandes fatores de diluição dos grupos. Devido aos fortes ataques sofridos pela comunidade gay relacionados à AIDS, há uma tentativa de uma desvinculação da imagem homossexual da mesma, desvalorizando os aspectos marginais do movimento e associando alguns personagens do período a uma imagem pública positiva. O jornal “Lampião da Esquina” fecha sua edição, deixando de certa forma, os grupos órfãos de notícias. Há um aumento dos grupos lésbicos e uma adesão de grupos de travestis. Dá-se um aumento do mercado específico para gays, o que Facchini (2000) ressalta poder ser uma ilusão de liberdade, devido a questões individuais estarem se sobressaindo ao coletivo. Apesar de se aumentar o comércio, há uma diminuição na adesão de grupos podendo assim enfraquecer a luta política. Vejo como um passo a mais para a divulgação de identidades, sendo o mercado específico gay, momentos de liberdade e felicidade, mesmo que individuais.
Os grupos de ativistas nesse período acumulam menos pessoas e os seus debates giram em torno da despatologização do homossexualismo, então visto como uma “doença mental”. Surge o termo “GLS”, ampliando as discussões de gênero e incluindo definitivamente gays e lésbicas ao mesmo grupo. O grupo de simpatizantes, que agora faz parte da sigla, é para Facchini (2003) um ganho ao movimento[1]. Baseia-se em agrupar em uma letra todos aqueles que são auxiliadores da causa, mas não se encaixam nos então ditos termos “gay” e “lésbica”.
Já no início dos anos 1990, há uma adesão da mídia e o fortalecimento do movimento através do financiamento público por parte dos Ministérios da Justiça e da Saúde que dão apoio aos encontros nacionais e auxiliam na dissociação da AIDS aos homossexuais. Inicia-se uma forte adesão de ONGs em políticas públicas de combate à AIDS e uma busca pela construção de alianças com parlamentares, organizações internacionais e grupos religiosos flexíveis a causa.
A partir de 1995, com a realização do 8º Encontro Brasileiro de Gays e Lésbicas (EBGL), dá-se, segundo Facchini (2003), o início de uma “terceira onda”. O encontro é realizado com recursos do Ministério da Saúde e o primeiro encontro de luta contra a AIDS. Aparecem, nesse período, as primeiras organizações de travestis e os temas mais discutidos nos encontros eram a religiosidade, a transexualidade, articulações internas no trato da autoestima e as relações externas com a igreja, a mídia, o movimento internacional e agências de financiamento.
O 9º EBGL acontece em 1997 e encerra suas atividades com o que foi considerado a primeira passeata pelas ruas na Cidade de São Paulo. A defesa de modelos modernos e igualitários e a tentativa de formulação de legislações específicas aproxima ainda mais o movimento ao Partido dos Trabalhadores (PT), que já estava presente nos encontros desde 1993. Há um aumento significativo da participação ativa no campo com o aumento de grupos organizados pelo Brasil, mantendo sua maioria em São Paulo bem como a adesão de transexuais em grupos se organizando. Os registros do artigo de Facchini (2000) se encerram no final do século XX, deixando a novos pesquisadores os relatos do novo milênio. Mas já se percebe as contribuições do movimento para o processo de reconhecimento das identidades individuais e coletivas dentro e fora dos movimentos sociais no Brasil.
Minha pesquisa propõe a entender como essa história se deu na capital do Espírito Santo e sua ligação mais próxima às apresentações culturais e grupos de grupos de teatro especificamente nas ações que aconteceram dentro da Boate Eros. Na literatura disponível, encontro em “Desaquendando a História Drag: no Mundo, no Brasil e no Espírito Santo” de Lucas Bragança lançado em 2018, uma grande aproximação à minha pesquisa. Em resumo ele trata as questões que envolvem o movimento de uma forma relativa ao tempo. No capítulo “travessos capixabas” o autor caracteriza o primeiro registro homossexual no Espírito Santo com a presença  do “Professor Irênio” (BRAGANÇA, 2018, pág. 87), um “tipo popular de Vitória”[2] que nos carnavais vestia-se de mulher, usava saltos altos e subia deslumbrante a escadaria da ladeira da Pedra, localizada onde hoje fica a Praça Costa Pereira e o Prédio Antenor Guimaraes no Centro de Vitória. Mesmo em seu livro, lançado em 2018, o autor dá um salto temporal, comentando sobre os carnavais, onde homens, inspirados no eixo Rio-São Paulo se vestem de mulheres para se divertir – com muito dança e também com sexo – e indo direto ao início do funcionamento da Boate Eros, que por muitos anos foi a única boate e um dos poucos pontos de encontro LGBT no estado (BRAGANÇA. 2018). O desenvolvimento da fundamentação teórica dessa seção irá se basear em um aprofundamento dos estudos sobre a história do movimento LGBT e, em especial, da importância da arte e do teatro LGBT nessa história. Ainda há muito a ser desenvolvida nessa parte. A pesquisa continua, assim como a procura de material específico que certamente estará presente nas referências do trabalho final. Tanto o histórico do movimento no estado quanto as questões cênicas e dramáticas que serão relacionadas dentro do período destinado a pesquisa.


[1] De acordo com a autora, o temo tornou-se um “ovo de Colombo conceitual” ao introduzir no contexto brasileiro a noção norte-americana de gay friendly e permitir que pessoas que não se identifiquem a partir de identidades como gays e lésbicas, possam transitar por espaços e consumir produtos voltados ao público homossexual (FACCHINI, 2003, p.120).
[2] Termo usado por autores e grupos de teatro para representar personagens que ficaram marcados na história do estado. O SATED-ES realizava apresentações de performances no Parque Moscoso nos festejos de aniversário da Cidade com artistas representando ícones da história capixaba conhecidos pela história oral.

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