Anderson Lima

sábado, 22 de julho de 2023

DEPRESSÃO - UM CONTO-POEMA

 


Depressão

Foi caminhando em uma noite qualquer que me deparei com aquela entrada. Ela não surgiu do nada. Meus sentimentos se tornaram a chave que abriu o portal que, acredito eu, ninguém, nunca deveria entrar. Há muito me sentia aprisionado a um sentimento que eu não podia compreender e que vagava entre a alegria e a tristeza. Era como um ar preso em meu peito, que estava vibrante esmerando as paredes do meu corpo pronto para sair. E foi naquele momento, enquanto eu caminhava que uma explosão de lembranças fez todo o tormento daquele
sentimento que não possuía uma definição exata se esvair em um suspiro alto. Uma pequena névoa se formou por entre meus lábios e densamente flutuou pelo ar formando um arco bruxuleante que se abriu como uma passagem. Por traz de seu véu eu podia perceber sombras indistintas que vagavam ladeando luzes cegantes. Náuseas ocuparam o lugar da respiração e num devaneio de vida eu me vi morto. Atravessei como que num flash o divisor de mundos. Aquele espaço sem paredes me cercava como uma prisão. O murmurar das sombras ecoavam aos meus ouvidos enquanto o luzir me cegava e a sensação dicotômica de prazeres fluíam em sinapses inundando meu corpo etéreo de um misto de raivas, felicidades e desejos. Meus sonhos Par de tênis sobre a cama

Descrição gerada automaticamente com confiança médiaescorriam como um rio turbulento, não me davam tempo de percebê-los, mas eu sabia que eram meus. Todos os meus amores escorriam derretidos como cera de vela e se evaporavam antes mesmo que eu pudesse tocá-los, então a tristeza da perda assumiu com grande pulsar todo meu ser, expandindo e retraindo meu corpo com tanta ferocidade que a dor superava qualquer vontade de ser ou de estar. Uma pequena e quase invisível lágrima brotou e uma lembrança surgiu. Era como se na morte eu me lembrara do momento em que nasci. Eu saia do ventre do
mundo para um mundo sem ventre e caía nos braços daquela que me espera todos os dias desde minha concepção. Desci em um abismo com as sombras chicoteando cada centímetro de minha presença naquele lugar e se afastando via as luzes que se separavam em luzeiros distintos formando uma via distante e aquela lembrança foi tomando forma, como que tentando argumentar com minha desistência. Lançando a ermo cordas indecifráveis, tentando laçar um fio de esperança. Desci em uma queda imensurável por um tempo suficiente para ver cada segundo de tudo que já havia visto. Cada momento, cada imagem se separava em caixas arquivadas em um canto esquecido de minha memória. Me peguei chorando mais e mais e a cada lágrima escorrida, mais lembranças surgiam. Umas me faziam rir em meio ao choro, outras me causavam saudosismo, muitas repulsas. A alegria, que tantas traziam não Par de tênis sobre a cama

Descrição gerada automaticamente com confiança médiaconseguiam me alcançar e caiam direto na pasta do esquecimento. Era aquele portal, lá não se permitiam pensamentos felizes e do fundo eu só tinha a sensação, a cada descida ele se tornava cada vez mais inalcançável. Eram quedas bruscas, vácuos pressionando meu peito deixando as luzes tão distantes que quase não podia mais vê-las. Tudo era sombra, tudo era escuridão. A
esperança se prostrava num jazigo à meia vida daquele caminho. Sem retorno me prostrei a cerrar os olhos e me vi por dentro. Senti de longe um pequeno pulsar. Sangue jorrava de meu coração por todas as partes de minha pequenez. Encapsulado, minha memória me levou ao início de tudo. Senti o cheiro amniótico, um frio libertador e um calor acolhedor. Na ânsia puxei o ar com tanta força que me doeu os pulmões me fazendo gritar e expulsar a gosma que me sufocava. Braços cheios de amor me envolveram e uma mistura excêntrica de um amor que nos faz chorar confundiu minhas vontades. A lembrança da pequena lágrima retornou em forma de rosto. Um rosto conhecido, que parece cais, âncora, rocha firme em um vasto areal. Raízes partiam daqueles olhos acalorados e me confortaram. Então bati no fundo. Macio. Cego pelo cerrar de olhos senti em meu rosto o mais delicado toque vindo de lábios genitores. Foi uma lembrança, mas daquelas tão fortes que se esculturam rígidas, eternas. E tudo se fez luz. O portal se esvaecia sobre meu corpo decrépito e quase sem forças. O Par de tênis sobre a cama

Descrição gerada automaticamente com confiança médiatoque pulsava com força, criando cor onde só existia crepúsculo. A vida retorna fechando a ferida, deixando uma fina linha que marca o exato momento em que fui sugado pelo portal. 
Uma cicatriz que, mesmo esquecida, nunca desaparecerá. O portal ainda se condensa, o véu ainda está rasgado. Sombras e luzes ainda batalham pelo controle e meu corpo ainda luta para manter a armadura daquela lembrança por sua defesa.

Anderson Lima

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