Aula inicial de teatro Grego do Projeto de Teatro OnLine Grátis - GETA - Anderson Lima
TRAGÉDIA (origem
e evolução)
De tragos ("bode")
e oidé ("canto"), o termo grego tragoedia significa,
literalmente, "o canto do bode", com nítida referência às
festividades em honra de Dionísio (Baco), o criador da uva e o
produtor do vinho. Narra o mito que, na região da Ática, o deus, por ocasião da
vindima, recebia homenagens rituais em que lhe era sacrificado um bode
("bode expiatório"), acusado de comer as folhas das videiras. A parte
mais importante dos rituais dionisíacos, constituídos de danças e preces, era o
canto do ditirambo, apelido de Baco que significa "aquele que nasceu
duas vezes" (do ventre da princesa tebana Sêmele e da coxa de Júpiter\Zeus).
O ditirambo era um hino religioso em que um coro de doze pessoas selecionadas
("coreutas") cantava as façanhas do deus. Aos poucos, esse canto
lírico-narrativo foi adquirindo aspectos dramáticos: o coro se dividiu em duas
partes, uma fazendo perguntas e outra respondendo; um corifeu passou a
coordenar o canto dos dois semi-coros; posteriormente, já na fase histórica da
Grécia, em 534 a.C., Téspis, o primeiro dramaturgo de que temos notícias,
acrescentou um ator, chamado hipokrités (hipócrita = "aquele que
finge") que, usando máscaras e vestimentas apropriadas para representar
personagens mitológicas, passou a dialogar com o coro. A esse ator
(protagonista) acrescentaram-se outros, dando origem ao núcleo fundamental da
arte teatral, quando os episódios da vida de Dionísio deixaram de ser
liricamente cantados ou epicamente narrados por um contador de histórias, para
serem dramaticamente representados. A temática, que inicialmente tratava apenas
de episódios do mito de Dionísio, começou a ampliar-se, sendo dramatizadas as
principais histórias e lendas do cabedal cultural dos gregos: fatos referentes
ao ciclo troiano (façanhas dos heróis da Grécia e de Tróia) e
micênico (a tragédia de Agamenon e sua família), o mito
de Édipo, de Teseu (Hipólito e Fedra),
dos Argonautas (Jasão e Medéia). Chegaram até nós apenas 32
peças (sete tragédias de Ésquilo, sete de Sófocles e dezoito
de Eurípedes). Forma e sentido da tragédia grega encontram-se sintetizados
na definição do filósofo e crítico Aristóteles:
"É,
pois, a tragédia imitação de ações de caráter elevado,
completa em si mesma, de certa extensão, em linguagem erudita
e com várias espécies de ornamento distribuídas pelas diversas partes do drama;
imitação que se efetua não por narrativa, mas mediante atores,
e que, suscitando o terror e a piedade,
tem por efeito a purificação (catar-se) desses sentimentos."
completa em si mesma, de certa extensão, em linguagem erudita
e com várias espécies de ornamento distribuídas pelas diversas partes do drama;
imitação que se efetua não por narrativa, mas mediante atores,
e que, suscitando o terror e a piedade,
tem por efeito a purificação (catar-se) desses sentimentos."
A
reflexão sobre esta conceituação aristotélica da tragédia e, sobretudo, a
leitura das peças, nos levam à percepção da essência do trágico, que reside
numa tensão entre elementos contrários. Artisticamente, esta tensão é expressa
por duas figuras de estilo: a " peripécia" e a ironia. A
peripécia é definida por Aristóteles como "a súbita mutação dos sucessos,
no contrário": trata-se, portanto, de uma inversão, de uma passagem
repentina de uma situação para outra. A peripécia dá-se ao nível fabular, sendo
a ação de uma personagem que consegue um resultado oposto ao esperado.
Semelhante à peripécia é a ironia dramática, chamada também de ironia do
destino: a frustração do herói trágico que vê seu plano de vida aniquilado
pelos desígnios insondáveis do fado. Enquanto a peripécia é uma inversão ao
nível da estrutura das ações, a ironia é uma inversão ao nível do conteúdo
ideológico, pois o sentido final é o contrário do esperado.
Essas
duas figuras de estilo ocultam profundas verdades existenciais. De um lado, a
luta inglória do homem contra os desígnios do destino: o livre-arbítrio
estiola-se contra uma força cósmica ou atávica que impede o homem de superar
sua condição de mortal. Em seu afã de alcançar a divindade, o homem comete um
erro fatal, um pecado de orgulho, que torna o herói um vilão, merecedor do
castigo divino, conseguindo assim a degradação em lugar da melhora desejada. De
outro lado e diferentemente dos revoltosos míticos
(Adão, Prometeu, Sísifo, Tântalo), o herói trágico é um
"culpado-inocente", porque ele não teve a intenção de cometer a
maldade, mas, muito pelo contrário, sua ação visava fazer o bem. Se há culpa,
ela nunca é do herói como indivíduo, mas de seus ancestrais. O filósofo alemão
Hegel ressalta que, numa disputa trágica, ambas as partes opostas têm
igualmente razão, pois se propõem fins legítimos em si; mas, ao tentar realizar
tais fins, uma parte acaba violando o direito da outra, pois as forças são
antagônicas, contradizendo-se reciprocamente.
Para
entender melhor essa conceituação do trágico na Grécia antiga, é conveniente
recordar a peça de Sófocles, Édipo Rei, de que já falamos no verbete Édipo. O
protagonista é o típico herói trágico, pois, ao mesmo tempo, culpado e
inocente: culpado porque cometeu parricídio e incesto, mas inocente porque não
teve consciência dos crimes a ele imputados. Se houve um culpado, foi a própria
vitima Laio, seu pai, que, em sua juventude, por ter seduzido e causado a morte
de um jovem amigo, atirou sobre si e sua descendência a maldição divina.
Trágico é um homem pagar pela culpa de outro, sofrer sem ter cometido pecado
algum, sendo vitima de taras hereditárias, preconceitos raciais e religiosos,
guerras estúpidas, injustiças sociais! Esse conceito de trágico, assim como
emana do teatro grego, sofreu evoluções ao longo da história do gênero
dramático.
em 10 de junho de 2020
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